Não falo nada

Belíssimo artigo de Ricardo Katscho

... nos preparativos para o Carnaval, na situação das estradas e no próximo caos anunciado nos aeroportos nacionais, nem na guerra entre milícias, traficantes e policiais nas favelas cariocas, muito menos na queda dos juros, na oscilação do dólar, no lucro dos bancos, nas camisas do Dunga, na zona que virou o Parque São Jorge...

... em todos as últimas cenas de horror e barbárie, na viúva do milionário da sena e seus seguranças suspeitos, no destino londrino da Miss Brasil que perdeu voluntariamente o contato com a família, na última matéria do Larry Rother sobre qualquer coisa que saiu no New York Times...

... das chuvas dos finais de tarde, dos sóis das manhãs, dos ventos e das marés de sempre, das garças que reapareceram na lagoa e de bichos e plantas em geral, das enchentes do sul e das secas sertanejas, das nossas rodovias esburacadas e dos ossos da Dana de Teffé, que são exclusividade do mestre Cony, dos leitores/comentaristas histéricos de blogueiros idem que já ameaçam pegar em armas ou dos mortos do dia no Iraque, das tragédias cotidianas universais...

... para desgosto e inveja do Xico Vargas, também não falarei da belíssima viagem no “navio do Roberto Carlos”, onde só não encontrei milionários, que costumam navegar em seus próprios barcos, como se sabe...

... no Clodovil, no Collor, no Maluf e outros notáveis, que agora fazem a festa da cobertura política em Brasília, nem nas discussões sobre o PAC ou aquela encruada escalação ministerial do segundo governo Lula...

... na reforma política (e nas outras todas) ou na disputa entre parlamentares e capas pretas para ver quem ganha mais do que nós...

... no comovente esforço dos robustos colunistas “formadores de opinião” para que os tucanos possam enfim vencer sua crise existencial, com as sugestões que gratuitamente lhes fornecem todos os dias, nem na auto-flagelação dos petistas sempre em busca da próxima crise...

... nas “rigorosas investigações” sobre os responsáveis pela cratera do metrô e nos chiliques do prefeito paulistano, na silenciosa disputa entre Aécio e Serra para ver quem conquistará mais apoio na mídia para ser o candidato tucano em 2010...

... nas madames que não recolhem o cocô dos seus cachorros nas calçadas e soltam mais palavrão no trânsito do que motorista de caminhão, ameaçando atropelar o primeiro transeunte que cruzar na sua frente mesmo que esteja na faixa de pedestres...

... do bar que fechou, do restaurante que abriu, do meu time que ganhou de novo, da falta de assunto que assola tantos cronistas nestes dias de calor, do filme que você não pode deixar de ver e das científicas análises de todos os especialistas “ólogos” e até “ógrafos” (sempre os mesmos) ouvidos pela nossa imprensa sobre qualquer assunto, geralmente para esculhambar o governo em bases científicas...

... das últimas batatadas do ex-blog do ex-César Maia ou da doença do eterno Fidel, nesta tal revolução bolivariana do Chávez, nas novas velhas mudanças que o Silvio Santos ameaça fazer na programação do SBT ou no novo nome que escolheram para o velho PFL de sempre...

... qualquer coisa sobre o Big Brother ou das peripécias dos “bispos” endinheirados aqui e lá fora, muito menos na próxima viagem que o Papa fará ao Brasil ou do atraso das obras do Pan e das emocionantes eleições na Câmara dos Deputados...

... no cachorro que morreu, nos gatinhos que nasceram, nas últimas descobertas e graças das netinhas ou no barulho insuportável dos helicópteros e britadeiras das vizinhanças...

Que me sobrou então para falar? Quer saber, caro leitor? Melhor não falar nada mesmo. Diante de tudo o que está acontecendo, das grandes barbaridades e das pequenas infâmias, das tantas sandices que leio todos os dias, deixa cada um falar e pensar o que bem quiser. Vou guardar com muito cuidado minhas palavras para quando puder falar só de amor...