A amizade, segundo o Houaiss significa: "sentimento de grande afeição, de simpatia (por alguém não necessariamente unido por parentesco ou relacionamento sexual)", já altruísmo (alter-outro + ismus-tendência) é "amor desinteressado ao próximo; filantropia, abnegação". A primeira vista são sentimentos ligados, parecidos, mas, na realidade, muitas vezes isso não acontece.
Não é a minha intenção conceituar ou redefinir o que é amizade "verdadeira" - na Wikipedia tem um texto lindo, veja -; mas, de forma cética, diria que é uma relação altruísta entre duas pessoas englobando uma série de outras atitudes que visam sempre o bem estar do outro.
Entretanto, só os antropólogos podem responder (se é que o podem) essa relação de amizade a qual eu vejo na sociedade atual: Os amigos, os quais deveriam ser aqueles que deveriam se doar mais uns aos outros, são os que se doam menos, chegando, muitas vezes, ao ponto de não doar sequer o que doariam para um desconhecido.
Acredito que você já tenha ouvido: "O chefe não vai me demitir porque é meu amigo", "O professor vai me dar meio ponto porque é meu amigo", "vou avançar o sinal porque o guarda é meu amigo", e coisas do tipo, como se a amizade fosse pressuposto para a tolerância eterna e desmedida. Os amigos que eu citei, são aqueles que o são enquanto podem tirar alguma vantagem da relação. O chefe, guarda, professor, juiz, você tem que ser altruísta ao extremo porque o seu amigo conta com esse sentimento de sua parte, confundindo como amizade. O egoísmo do outro faz que o esforço seja redobrado, pode constranger o amigo, e muitas vezes não tem nem o consentimento ou sequer ciência desse amigo.
O amigo, que eu defini acima, seria o primeiro a defender a posição do outro, ou seja, não daria motivos para o chefe demití-lo, não precisaria de meio ponto ou pararia no sinal antes de qualquer outro motorista, em respeito à sua posição, hierarquia ou profissão. Empregos, leis, dinheiro, enfim, tudo está em risco quando uma "amizade" entra no meio. Alguns amigos acham que não precisam pagar dívidas, outros acham que não precisam seguir as regras e outros vários exemplos. Essas amizades sempre mudam o rumo normal das coisas, abrem pressupostos para que outros façam o mesmo e sempre tem um final trágico.
É possível ser altruísta, gentil, normalmente sem ser amigo. Quando eu cedo meu lugar no metrô, quando eu dou uma esmola, quando eu passo uma informação a um desconhecido... enfim, há várias maneiras de demonstrar amor, respeito e caridade ao próximo, sem que essas características sejam confundidas com afeto ou amizade. Eu posso fazer um trabalho na favela mais carente e não ser amigo de ninguém. Madre Tereza de Calcutá é objeto de estudo científico, pois desenvolveu um senso altruísta de tal forma que foge ao conhecimento atual da região do cérebro onde esse sentimento se forma (ou não). Agora, quantos foram amigos dela? Eu tenho os dois predicados - altruísmo e gentileza - e escolho quando quero praticá-los, mas a amizade, não. É um sentimento, enquanto os outros são atitudes.
Mas o que eu falo aqui é justamente o contrário: O Zé que tem um amigo Jão e Jão faz tudo pelo Zé, porém não há vice-versa. Apesar disso eles são amigos, amicíssimos. Falem mal da mãe de Jão, mas não falem do Zé, já o Zé chama o Jão de corno e cachaceiro na roda do bar. Por mais que Jão fosse alertado, não dava ouvidos aos que queriam derrubar aquela amizade de anos.
"Jão, me empresta cem contos? Te pago na terça."
"Sim, Zé, te dou agora"
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"Jão, tome vinte contos, você sabe que ando duro, né amigo?"
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"Jão, me dá mais cinqüenta? Pago tudo junto."
"Zé, tô duro, mas vou te emprestar. Me paga na segunda porque é o das compras da patroa."
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"Jão, não vai dar pra te pagar tudo agora... tome mais quarenta, tá tudo bem?"
Será que o Jão faria isso tudo se fosse com um agiota ou um banco? Será que o Zé emprestaria novamente o dinheiro se não considerasse Jão seu amigo? Será que Jão contava com aquele dinheiro que emprestou? Será que fez falta? Se o Zé falasse que queria o dinheiro dado, receberia? Pior do que não contar com algo é se decepcionar com ele.
Posso estar confundindo o amigo com o filão, o aproveitador, mas olhemos para nós mesmos. Somos aproveitadores de nossos amigos? Você pega uma fruta no balcão se o seu amigo for o feirante, ou paga o preço porque ele precisa desse dinheiro? Você se esforçaria para sair bem em uma entrevista ou se portaria melhor, dando razões irrefutáveis para ser admitido na empresa, se o gerente de RH fosse seu amigo? Quando faz amizade com o professor, estuda a matéria dele? Eu, você, expomos nossos amigos a esforços dobrados, triplicados, para manter a amizade? Eu, você, nos redobramos nos nossos problemas porque um amigo não quer fazer o correto? Você abre concessões sempre pra um ou outro amigo? Você expõe seu emprego, sua família e seu bem estar porque um amigo necessita de um favor?
Talvez, por esse pensamento da minha parte, venha deixando de ter poucos amigos para ter pouqíssimos.
sexta-feira, 9 de março de 2007
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