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domingo, 5 de agosto de 2007

Ignorance is bliss - José Pedro Goulart

Marcelo Pereira/Terra

Embora vencedora do Pan, a equipe masculina de vôlei ouviu comentários controversos a respeito de seu desempenho



Talvez os seres humanos, ao contrário do que se pensou até aqui, estejam na base e não no topo da cadeia evolutiva. Afinal são amplamente conhecidos os efeitos maléficos do pensamento, da utilização exagerada do intelecto. Os macacos, por exemplo, sempre citados como nossos antecessores seriam, na verdade, nossos descendentes. Depois, na escalada dos degraus da evolução, viriam os cães, os sapos e as galinhas. Em seguida o Galvão Bueno e assim por diante até chegarmos ao paraíso que é a irracionalidade total. Ou seja, mesmo para o nosso locutor oficial falta ainda um certo caminho até os micróbios, protozoários e amebas; onde só existe a vida sem necessidade de abstrações inúteis: ser ou ser, eis nenhuma questão.

"Tem que se esforçar para ganhar um Pan", disse um indignado Galvão Bueno, durante a semifinal do vôlei masculino contra a Venezuela, quando o Brasil teve uma certa dificuldade e quase perdeu o primeiro set. Viu Bernadinho? Você que é campeão olímpico e multi campeão mundial? Ouça o que um ser evoluído tem a dizer. Quem sabe assim você teria vencido não a maioria, mas "todos" os torneios que disputou com a seleção. Em especial o Pan de Santo Domingo, cuja perda motivou maliciosamente a frase do locutor.

Eis, a propósito, o primeiro mandamento para subir na cadeia evolutiva: seja um oportunista. Dê conselhos a granel mas só lembre deles quando funcionarem. Gire uma roleta de palpites e só recupere os acertados. Desvie para si, com comentários estapafúrdios, a atenção que deveria estar no que está sendo narrado. Veja de que lado o vento sopra e procure estar sempre a favor. Estamos perdendo a Copa América? Critique a renovação, a escalação, o escambau. Ganhamos? Esqueça rápido, futebol é momento. E, sobretudo, nunca, jamais, dê algum crédito ao adversário. Em caso de derrota procure sempre um culpado, crucifique alguém, ofereça alguma carne em sacrifício. "Ah, o Parreira é um sonolento." "Eta juizinho ruim esse."

Rumo à evolução, pois. Sejamos lagartixa, avestruz, Galvão. O que dá certo é o que dá Ibope, pouco importa o conteúdo. Depois da vitória busquemos mostrar como é importante ser brasileiro: "sou brasileiiiiro, com muito orguuuulho, com muiiito amoooor". Mas se você for um daqueles que acha isso ridículo diante das circunstâncias do país, se você achou um absurdo as vaias dadas aos atletas estrangeiros no Pan, se você é um desses que não consegue babar de ódio por um esportista pelo fato dele usar uniforme de outro país (ou outro time), lamento: você é um ser primitivo e ainda por cima em extinção.

É pensando na importância que tem o futebol e a televisão no Brasil que vejo como somos todos reféns do Galvão Bueno e sua saga maniqueísta. De sua arrogância exemplar confrontada com uma presença maciça dentro das nossas casas. Quando alguém quiser entender o porquê das vaias, procure nesse tipo de jornalismo - que, aliás, não é só ele que comete. E também procure nisso a razão do "tema da vitória" nos levar às lágrimas. É que a gente sabe quando ele toca que de alguma forma estamos evoluindo em direção à ameba. É melhor não saber, não entender, não investigar, não olhar para trás, não ver méritos nos outros. Ignorance is bliss.

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