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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Auto-hipocrisia é saudável para a sociedade

Tive paciência para ler tudo e achei muito interessante... se alguém tiver o mesmo tempo e vontade, aproveitem:

Auto-hipocrisia é saudável para a sociedade

Durante anos ela escondeu as faturas de cartão de crédito do marido: o casaco bordado de US$ 2.500 da Neiman Marcus. O cachecol ornado com contas de US$ 900 da Blake, de Chicago. O par de botas de US$ 600 da Dries van Noten. Todos artigos maravilhosos e perfeitamente acessíveis se ela administrasse algum fundo hedge ou fosse uma executiva do Google.

Os amigos, em princípio, deram alguns toques para que ela maneirasse ou redirecionasse seus potenciais criativos. A mãe ficou cada vez mais preocupada, a ponto de começar a fazer perguntas diretas. Mas os vendedores continuavam ligando com as mais novas dicas de moda da próxima estação e as estações, como se sabe, não param de mudar.

"A situação ficou tão grave que eu me sentava de repente no meio da noite e me perguntava se eu não iria jogar tudo pelos ares e tudo iria explodir nas minhas mãos", contou a reservada compradora, Katharine Farrington, 46, roteirista free-lance residente em Washington, que hoje está livre das dívidas. "Não entendo como pude negar isso por tanto tempo. Acho que eu era otimista achando que conseguiria pagar e que aquilo não estava magoando ninguém."

"Bom, claro que nada disso era verdade."

Todo mundo vive em negação em relação a alguma coisa; tente negar isso e observe seus amigos fazendo uma lista. Para Freud, a negação é uma defesa contra realidades externas que ameaçam o ego, e muitos psicólogos hoje diriam que pode ser uma defesa protetora diante de notícias intoleráveis, como a de um diagnóstico de câncer.

No vernáculo moderno, afirmar que alguém está "em negação" é aplicar um cruel golpe duplo: um no estômago pela traição ou alcoolismo ou mau comportamento e outro tapa na cara pelo covarde ato de se enganar para fingir que nada disso é um problema.

Contudo, estudos recentes das mais diversas áreas, como psicologia e antropologia, sugerem que a capacidade de olhar na outra direção, embora seja potencialmente destrutiva, é também de fundamental importância para construir e nutrir relacionamentos próximos. Os truques psicológicos que as pessoas usam para ignorar um problema desagradável nas próprias famílias são os mesmos de que elas precisam para conviver com a desonestidade e a traição comuns ao homem, sejam detectadas nelas mesmas ou em terceiros. E são exatamente essas habilidades altamente evoluídas, como sugerem as pesquisas, que servem de base para o mais aplacador de todos os atrativos humanos, o perdão.

Segundo essa nova abordagem, os cientistas sociais vêem a negação em um espectro mais abrangente, da desatenção benigna passando pela consciência passiva até a cegueira absoluta e voluntária, por parte de casais, grupos e organizações sociais, bem como de indivíduos. Analisar a negação dessa forma, como alguns cientistas argumentam, ajuda a esclarecer quando é sábio lidar com uma pessoa ou situação difícil e quando a negação ameaça se tornar um tipo de inconsciência silenciosa infecciosa que pode fazer com que pessoas sinceras acabem sendo hipócritas.

"Quanto mais de perto você observa, mais claramente percebe que a negação é parte da angustiante negociação que fazemos para vivermos como seres sociais", declarou Michael McCullough, psicólogo da Universidade de Miami e autor do livro que será lançado em breve "Beyond Revenge: The Evolution of the Forgiveness Instinct".


"Queremos realmente ser pessoas éticas, mas o fato é que pegamos atalhos para obter vantagens individuais, e contamos com o espaço que a negação nos dá para seguir em frente, para tentar escapar de pagar multas por excesso de velocidade e perdoar outros por fazerem o mesmo."

A capacidade de negação parece ter se desenvolvido, em parte, para compensar a hipersensibilidade primitiva dos seres humanos às quebras de confiança. Em pequenos grupos afins, identificar mentirosos e enganadores falsos era uma questão de sobrevivência. Alguns boatos negativos poderiam significar uma perda de posição ou até a expulsão do grupo ou uma sentença de morte.

Em uma série de estudos recentes, uma equipe de pesquisadores liderada por Peter H. Kim, da Universidade de Southern California, e Donald L. Ferrin, da Universidade de Buffalo, hoje na Singapore Management University, pediu que grupos de estudantes de administração avaliassem a integridade de um candidato a emprego depois de saberem que aquela pessoa havia cometido uma infração em um emprego anterior.

Os participantes assistiram a um vídeo de uma entrevista de trabalho em que o candidato era confrontado com o problema e ou negava-o ou se desculpava pelo que fez. Se a infração fosse descrita como um simples erro e o candidato pedisse desculpas, os espectadores davam a ele o beneficio da dúvida e diziam que confiariam a ele responsabilidades profissionais. Mas se a infração fosse descrita como uma fraude e a pessoa pedisse desculpas, a confiança dos espectadores desaparecia, e mesmo as provas de que a pessoa era inocente de condutas indevidas não restauraram completamente a confiança.

"Concluímos que existe um sistema de estímulo enviesado", disse Kim. "Se você for culpado de uma violação ligada à integridade e pedir desculpas, isso o prejudica mais do que se você for desonesto e negar."

O sistema é enviesado exatamente porque as pessoas em quem confiamos e valorizamos são imperfeitas, como qualquer um, e não chegam nem perto de serem éticas ou confiáveis como esperamos que sejam. Se as contastações disso não fossem abundantes o suficiente em nosso cotidiano, o fato perduraria incontestavelmente em um estudo recente liderado por Dan Ariely, economista comportamental do Massachusetts Institute of Technology.

Ariely e dois colegas, Nina Mazar e On Amir, aplicaram um teste de conhecimentos gerais de múltipla escolha a 326 alunos, prometendo a eles um pagamento por resposta correta. Os alunos foram instruídos a passar as respostas, para o cômputo oficial, para um formulário de gabarito em que a resposta deveria ser pintada em cada pergunta.

Mas alguns alunos tiveram a oportunidade de trapacear: receberam folhas de gabarito com as respostas corretas levemente pintadas de cinza, supostamente expostas assim sem querer. Em comparação com os demais, estes alunos mudaram cerca de 20% das respostas, e um estudo posterior demonstrou que eles não tinham consciência da magnitude de sua desonestidade.

"Concluímos que pessoas boas podem ser desonestas até o ponto em que a consciência soa o alarme", declarou Ariely, autor do livro "Predictably Irrational: The Hidden Forces that Shape Our Decisions", que será lançado no ano que vem. "Conclui-se que você basicamente tapeia a consciência um pouco e comete pequenas transgressões sem despertá-la. Tudo passa despercebido pelo radar porque você não está prestando tanta atenção assim."

É um engano subestimar o poder da simples atenção. As pessoas podem estar totalmente conscientes sobre aquilo em que prestam atenção e nitidamente alheias ao que não prestam atenção, segundo descobertas dos psicólogos. Na vida real, sem dúvida, eventuais negações de mau comportamento exigem mais do que uma mera ginástica mental, mas a ausência de atenção é o primeiro e básico ingrediente.

O segundo ingrediente, ou segundo nível, é a consciência passiva, quando as infrações são persistentes demais para passarem despercebidas. As pessoas adaptaram uma infinidade de maneiras de lidar com esses problemas indiretamente. Uma das sobrancelhas levantada, um esboço de sorriso ou um balançar da cabeça podem sinalizar "Eu vi" e "Vou deixar passar desta vez".

A consciência é passiva por bons motivos: um confronto aberto, com um ente querido ou consigo mesmo, traz o risco de uma grande ruptura ou mudança de vida que poderia ser mais terrível do que a infração em si. E, com mais freqüência do que se imagina, um gesto sutil pode ser um alerta suficiente para acionar uma mudança de comportamento, mesmo que seja o próprio.

Na tentativa de avaliar exatamente com que freqüência as pessoas fazem vista grossa ou punem infrações dentro de seus grupos de semelhantes, uma equipe de antropólogos de New Mexico e Vancouver fez uma simulação de um jogo a fim de medir os níveis de cooperação. Neste jogo de competição um a um, os jogadores decidem se irão contribuir para um pool de investimentos compartilhado, e podem excluir o parceiro se acreditarem que as contribuições daquele jogador são ínfimas demais. Os pesquisadores descobriram que assim que os jogadores estabeleciam um relacionamento de confiança baseado em diversas interações, uma vez instaurado, ambos entravam para a mesma panelinha, eles estavam dispostos a deixar passar quatro ou cinco violações em seqüência sem eliminar um amigo. Eles eliminavam pessoas de fora do grupo após apenas uma única violação.

Usando um programa de computador, os antropólogos fizeram a simulação em diversas gerações, na verdade acelerando a fita de evolução dessa comunidade de jogadores. E a proporção de vista grossa às violações de confiança se mantiveram; isto é, esse padrão de comportamento de perdão definiu grupos estáveis que maximizaram a sobrevivência e relevância evolucionária dos indivíduos.

"Existem muitas formas de refletir sobre isso", declarou o coordenador da pesquisa, Daniel J. Hruschka, do Santa Fe Institute, grupo de pesquisas focado em sistemas complexos. "Uma delas é que você está se mudando e realmente precisa de ajuda, mas seu amigo não retorna a sua ligação. Bem, talvez ele esteja viajando e não se trate de negligência de forma alguma. A capacidade de deixar passar ou perdoar é uma forma de superar essas vicissitudes do dia-a-dia."

Em nenhuma outra relação as pessoas utilizam as habilidades de negação com mais eficácia do que com um cônjuge ou companheiro. Em uma série de estudos, Sandra Murray, da Universidade de Buffalo, e John Holmes, da Universidade de Waterloo, em Ontário, demonstraram que é muito comum as pessoas idealizarem os parceiros, superestimando suas capacidades e minimizando suas fraquezas.

Isso, em geral, envolve um misto de negar e dourar a pílula: ver o ciúme como sinal de paixão, por exemplo, ou a teimosia como um forte senso de certo e errado. No entanto, os estudos identificaram que os parceiros que idealizam um ao outro dessa forma têm mais chances de permanecerem juntos e de afirmarem que estão satisfeitos com o relacionamento do que os que não seguem esse padrão.

"Dados sugerem que se você vê a outra pessoa de maneira idealizada, e tratá-la em linha com essa visão, ela começa a se enxergar dessa forma também", declarou Murray. "Isso promove esses comportamentos mais positivos."

Diante de fortes indícios de verdadeira deslealdade, as pessoas não dispostas a se arriscar a uma ruptura distorcem a sua percepção da realidade muito mais propositadamente. Uma maneira comum de fazer isso é renomear o que são nítidas violações à ética como gafes, deslizes ou lapsos de competência, porque essas coisas são mais toleráveis, explicou Kim, da USC. De fato, como diz Kim, as pessoas "reformulam a violação ética como uma violação de competência."

Ela não estava traindo-o, apenas se perdeu. Ele não omitiu os prejuízos do setor de financiamentos imobiliários durante anos, apenas errou os cálculos.

Essa reformulação ativa dos eventos, baseada nas mesmas ferramentas psicológicas como falta de atenção e consciência passiva, é o ponto em que o reparo do relacionamento pode começar a transmutar para o auto-engano voluntário do tipo que assume vida própria. Todo mundo sabe como é isso: você não consegue falar sobre o caso e não consegue não falar sobre não falar sobre isso. Pouco tempo depois, não consegue falar de nenhum assunto que esteja mesmo remotamente relacionado a isso.

As expectativas sociais implícitas no mundo muitas vezes reforçam a conspiração, seja qual for sua origem, explicou Eviatar Zerubavel, sociólogo da Rutgers e autor de "The Elephant in the Room: Silence and Denial in Everyday Life".

"Tato, decoro, educação, tabu, tudo isso limita o que pode ser dito em meios sociais", disse ele. "Nunca vi tato e tabu abordados no mesmo contexto, mas um é apenas uma versão consolidada do outro, e não se sabe ao certo onde as pessoas traçam a linha entre as preocupações particulares e essas restrições sociais."

Em suma, as convenções sociais muitas vezes funcionam para encolher o espaço em que uma conspiração de silêncio pode ser rompida: não no trabalho, não bem aqui em público, não à mesa durante o jantar, não aqui. É necessário haver uma crise externa para romper a negação e ninguém precisa de um estudo psicológico para saber como isso acaba.

No caso de Farrington, o acontecimento foi a saída do país devido à transferência do emprego do marido. Sem conseguir ganhar a mesma quantidade de dinheiro com seu próprio trabalho, ela continuou comprando, mas não tinha como cobrir os pagamentos do cartão de crédito.

"Basicamente", disse ela, "Eu tive que dar a mão à palmatória. Foi terrível, mas admiti para o meu marido, admiti para minha mãe e para outra amiga que cuidava das contas enquanto estava fora. Toda essa rede de intrigas, no fim, tinha que arrebentar". Agora ela vai atrás de ofertas melhores no eBay.

Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL190437-5603,00.html


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Fabiano GMAIL

Tenho blogs, sabia?
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Nunca se explique. Seus AMIGOS não precisam e seus inimigos não vão acreditar

"Não importa que nos odeiem, desde que na mesma proporção que nos temam." Calígula

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